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sexta-feira, 26 de março de 2010

reposição


Bem Bem! Já não se via uma bandeira tão esteticamente agradável no Parque Eduardo VII (Lisboa) há... um século? Os monárquicos activos andam muito inspirados.


Hoje, 23 de Março, alguns privilegiados que passavam nessa zona puderam testemunhar uma efeméride histórica até cerca das 12:00h. Certamente achando-se confusos num primeiro momento, puderam depois ter-se impressionado, cedendo ao espanto que deverá ter constituído depararem com uma bandeira monárquica portuguesa. Gigante (6 m x 4m). Em meia-haste (indício de luto nacional).


para mim foi D. Sebastião que voltou: ergueu-se do túmulo, nos Jerónimos, para vir pôr a mão na consciência do seu nobre povo. O que não deixa de querer dizer que se interessa mais pelos 14 anos, hoje a comemorar-se, do “Príncipe da Beira”, que pela mudança na liderança do PSD. “Isto já não vai lá só com a alternância política clássica do pós-25 de Abril”, pensará, “é preciso alterar mais qualquer coisa – a começar pela constituição.” Foi a justa vingança por o Ministério da Cultura de Isabel Pires de Lima não ter permitido, aqui há uns anos, que se abrisse o sarcófago: para que se procedesse, seriamente, ao exame de ADN das ossadas, a fim de confirmar a identidade das ditas. Que tal recuperar a contenda, que Gabriela Canavilhas é tão sensível e competente – nomeadamente criando uma petição na net, até.


Eu soube do acontecimento que está – ou deveria estar, melhor dizendo – na ordem do dia quase por acidente: noticiaram muito fugidiamente nas televisões privadas. Na RTP talvez haja um comprometimento demasiado com o regime – o que, a ser verdade, não é surpresa...


E, porque normalmente tudo o que acontece consta na Internet, quando pesquisava sobre isto deparei-me ora com o vídeo que explicava a iniciativa – fiquei a saber da existência dos Carbonara – Movimento Monárquico para as Massas, originalíssimo! –, ora com uns escritos pessoanos sobre a república, e sobre a própria bandeira. (Já aqui te falei do assunto, logo não se justifica retomá-lo.) Já tinha ouvido qualquer coisa sobre o ressentimento de Pessoa com a 1ª República, pelo que isto serviu de confirmação. Interessante opinião, com o seu algo de actualidade.


Em todo o caso, eis os links:

para o Movimento e o tal vídeo)

http://www.facebook.com/group.php?v=wall&ref=ts&gid=107254729303275

para o testemunho de Fernando Pessoa cuja autenticidade, aliás, me limito a confiar)

http://esquinas.org/blog/2010/02/01/o-que-pensava-fernando-pessoa-da-republica/



terça-feira, 16 de março de 2010

desgosto

Comecei esta semana lectiva com uma pequena apresentação de grupo sobre a Questão de Olivença. E quando digo “comecei” digo-o de forma absolutamente literal, que eram 8:30h!

Proponho-me aqui dar a minha visão sobre o assunto, e não tanto reproduzir uma apresentação à guia turístico, como acabei por fazer então. Afinal, sempre que bem intencionados, não devemos deixar escapar nenhuma oportunidade. E porque o fim é bom, o meio justifica-se!


Não conhecia a problemática em detalhe, ainda que já estivesse mais que minimamente familiarizado. Desde logo por razões geográficas: ainda recordo um ou dois passeios de carro com a mãe para aquelas bandas. Depois, por iniciativa pessoal, em pesquisas pontuais na internet a fim de saciar a justificada, imperfeita curiosidade. Ah, o espanto e a confusão... a magia(!) que foi não perceber se ali, naquele imenso espaço a Este do Guadiana, estava em Portugal ou já em Espanha!! Enfim: lembra-me aquele dizer que toda a regra tem a sua excepção a confirmá-la… e não é que, no caso ibérico, até a fronteira entre as duas nações de tal não se livra?!


Mas que sucedeu afinal? Vejamos por alto: Portugal reivindica à Espanha a entrega do território, que tem esta como sua soberana de facto ilegitimamente – desde 1817, pelo menos. E Portugal fá-lo de forma muito discreta, passiva. Para não dizer pontual, porventura ocasional até. Importa-me dizer que faço esta consideração baseando-me estritamente numa óptima mediática: ou não soubesses tão bem quanto eu que, neste nosso mundo massificado de hoje, o que não aparece não existe!


A trama jurídica é extensa, complexa. Mas não é complicada de perceber, desde que se o procure fazer de forma cronológica. Missão que deixo para ti, na benévola crença de que as minhas palavras te inflamem a curiosidade para o assunto.


Só me ocorre, por ora, problematizar sobre o próprio problema… Que espécie de nação é a nossa, que tão desavergonhadamente se permite abrir mão do que é seu para a poderosa vizinha em surdina? Como podemos, sequer, ousar preparar o futuro, sem resolvermos o passado? Temos 100 marcos de fronteira por colocar, vamos lá ser pragmáticos… Acabe-se, pois, de uma só vez com esta normalidade anormalizada: que falem os dois chefes de estado, os dois ministros dos negócios estrangeiros e, ultrapassando a vergonha óbvia que sentem, decidam definitivamente e a bem: reconheçamos nós a soberania espanhola sobre as terras oliventinas ou queira a imensa Espanha devolver-nos de bom grado o que é nosso. Terceira via, e pacífica? Pois também a há, claro: referendo aos oliventinos. Não haverá ressentimentos, seja o resultado qual for – cá na Ibéria não nos permitiríamos esquecer simplesmente, de um momento para o outro por interesse, que a Revolução Francesa (1789) já amadureceu; que a democracia é hoje, imperiosamente, mais livre e respeitada.


Infelizmente nem tudo corre nesta vida como sucederia se dependente fosse, apenas e tão só, da nossa própria vontade. Estou portanto a dizer-te que, apesar da visível frieza algo despudorada de que se revestem as minhas palavras na análise suprafeita – e dizendo-o numa ideia –, não ignoro o mundo real. Não ignoro a política do meu país – ao menos essa, sim! –: não ignoro o governo diariamente descredibilizado com ministros (Primeiro inclusive) arrogantes e dúbios na sua compostura – acção e comunicação, digo – enquanto decisores políticos, em particular o senhor ministro dos negócios estrangeiros – inteligente, contudo desaconselhado pelo seu médico a grandes viagens, por motivo de saúde (ou, melhor, dizendo, de sua falta); não ignoro também, e forçosamente, o presidente da república, digníssimo e fidelíssimo representante dos portugueses conforme provou na sua reportagem organizada mais recente, a cargo da Original [sic]: tem um retrato do papa no gabinete, aprecia boa comida portuguesa e até pagamos para lhe seleccionarem o essencial das notícias dos jornais, dia após dia – sabê-lo foi para mim um choque tão interessante quanto preocupante, naturalmente. De facto, na nossa república da medíocre regular funcionamento das instituições, o pior que pode acontecer a respeito de Olivença é mesmo o que já ocorre – nada.


Ah! E já agora, para te deixar atormentado com a beleza do horrível , deixo-te com a cereja no topo do bolo: o brasão da dita ciudad é, obviamente, único em toda a España. Mas atenção: é-o, mais que por outro motivo, pela sua coroa castelar cimeira – bem ao estilo português, de facto! Agora… será mesmo Olivença muy noble, notable y siempre leal?


sexta-feira, 5 de março de 2010

sensibilidade

Bom-senso só pode ser conceito quando seja a própria sensibilidade o preconceito. O caso que testemunhei hoje, e agora aqui te trago agora, parece-me interessante exemplo de tal: considero que ontem tive o privilégio de assistir a uma das aulas, a meu ver, mais interessantes de sempre na faculdade. Afinal, matéria que o professor explicava, e que para mim foi clara de compreender e aceitar, não o foi para um outro colega, o que deu azo a que expusesse a sua dúvida ao professor, assim proporcionando o mote entre os dois para uma discussão interessantíssima que se desenvolveu até ao fim da aula. Com e por aquela discussão vi colegas desinteressados, vi colegas desinteressarem-se... e só a esses eu não compreendi!


A cadeira dá pelo nome de Ecologia Humana. E visa, segundo o que pessoalmente depreendi da explicação do docente responsável, dotar os alunos de uma abertura, consciencialização até, para a complexificação que preside a própria manifestação da natureza humana enquanto inserta numa realidade ambiente maior, que nos transcende. É porque o ser humano per se representa desde logo um agente nesse sistema que, em consciência, deve admitir-se factor de risco para o equilíbrio traduzível na existência da realidade ela própria e, atentando consequentemente nesta condição não exclusiva – note-se que a biodiversidade nãos e resume ao dizível “ecossistema humano” –, decidir-se fazer da sua própria acção uma sustentável e sã contribuição para a manutenção de tal equilíbrio.


Ora, foi justamente este conceito – equilíbrio –, mais propriamente na sua manifestação, o motivo da discussão que aqui lembro e te invoco. Procurando, aliás, esbater e menosprezar a parte má desta memória, que se prende justo com o desinteresse da maioria dos colegas na sala pela discussão: desde os que se riram vá-se lá descobrir de quê aos que deixaram a sala antes de a aula terminar, passando claro está pelo clássico que constitui o “prefiro falar para o lado, só contigo, a ouvir o que está o outro para ali a dizer ao professor, a quem nada importa se a gente quer ouvir…”. Dizia então, ao professor, o colega da dúvida que não conseguia compreender a ideia de equilíbrio instável que o professor procurava transmitir, por só lhe fazer sentido haver equilíbrio ou não haver equilíbrio. O curioso disto é que, a meu ver, nem o dito colega pensava mal nem o professor transmitia uma ideia errada. Estava aqui em foco, portanto, o valor da diferença possível, por assim dizer. Mais: às tantas, fruto da evolução da discussão que entre eles se havia gerado, ficou o colega preocupado por se achar formatado a um pensamento “um de dois”, “sim ou não”, “A ou B”, enfim. Mas se eu fosse ele não me preocuparia; porque a sua dúvida, sem dúvida pertinente, revelou uma legível e bem rara inteligência sensível, expressa tão simplesmente na atitude de quem se admite disposto a confrontar por si o que não lhe deviam ter incutido imbuído de um qualquer convencionado espírito de “não pode ser posto em causa”. Falo quer do conhecimento que já deterá o próprio (transversal a tantos de nós, de resto) quer da sua atitude pessoal face à percepção desse conhecimento, e na prossecução de outros por adquirir – que, quer-me parecer, se alteraram ontem.


Devo por tudo isto dizer-te que, por conhecer mais que minimamente este colega de que falo, e por quem tenho sem dúvida um respeito tão grande como raro, estou convicta e invictamente inabalável de que pôde descobrir nesta lição de ontem uma quiçá rara oportunidade de ajuda à auto-coerência; e com isto quero dizer: a abertura plausível ao ponto de vista que, mais que alternativo, é de facto diferente, qual terceira via, diferente via quanto à possibilidade, a meu ver efectiva, de percepcionar e abordar tanto a realidade como o conhecimento que dela se tem e não tem. Porque o equilíbrio, sendo um encontro de forças que actuam de forma dinâmica tanto em si como entre si, é verdadeiramente possível em mais que apenas duas combinações. Como acontece, aliás, com tudo o mais - conquanto, claro está, seja possível.


Pessoalmente – e digo-o com segurança porque, talvez por acaso, já havia pensado antes sobre a questão –, talvez nunca tenha duvidado de que o ou sim, ou sopas só serve para nos limitar, nos deformar o exercício da racionalidade.

terça-feira, 2 de março de 2010

razoabilidade

Falar de razoabilidade tem sempre muito que se lhe diga. Desde logo porque muito há que ultrapassa os limites do razoável – bem o sabemos –, podendo acrescer o facto de a noção de razoabilidade ser diferente em todos nós... Quiçá entendas este mesmo blog um entre tantos exemplos possíveis de falta dela; todavia, refugiando-me naquela ideia de mau juiz de causa própria, prefiro ainda assim falar de outro caso concreto.


Este semestre, e após me haver anteriormente informado por amigos de História, decidi ter uma cadeira livre do dito departamento. Bem diferente do politicamente correcto a que estou acostumado, devo dizer. Paleografia e Diplomática.


Poucas aulas tivemos ainda, é bem verdade, mas a experiência não podia estar a ser melhor: tanto o professor como a turma em si, apesar de grande, ajudam decisivamente a criar na mesma sala, apertada, aula após aula, o ambiente ideal para se aprender algo que, não sendo nada desinteressante, não é propriamente fácil. De facto, o único senão até ao momento é a qualidade rasca do suporte dos documentos estudados – fotocópias que, miraculosamente, fazem o original parecer-lhes ulterior quando lhe comparadas. Contudo, importa seguramente dizer que é o professor quem nos traz as ditas cujas e, porque assim é, reconheço que a cavalo dado não se olha os dentes.


Em boa verdade que digo que não são as aulas o que me aflige. É-o, sim, a minha recente percepção de que me encontro em situação de privilégio, tão evidente quanto voluntário. Digo-o não a pensar no meu aproveitamento, que espero ser tão bom quanto deve ser em qualquer outra cadeira; digo-o, sim, porque me aflige ver como a cadeira passa desconhecida naquele antro – que fará noutros onde existe igualmente, já que não é exclusivo da casa… –, exceptuando-se compreensivelmente, claro está, o departamento de História, onde ainda assim existe como opcional. Basta pensarmos na forma como tomei conhecimento da cadeira, meramente por acaso, sendo igualmente reveladora a reacção de pura fobia e retracção mental da maioria dos meus colegas no departamento-base – e refiro-me estritamente a alguns entes academicizados que a honra de dar conhecer a mim coube afinal. Em mais que um sentido.


Não irrita – antes constitui padrão comportamental engraçado e interessante – a primeira reacção à palavra paleografia -> “O QuÊ??”; diferentemente, esmorecido é o que por norma lhe sucede, após a minha tentativa de explicação quanto ao que propõe a cadeira -> “ahah, mas tu gostas disso? para que é que isso te serve?”. Então eu penso [??? Pois… Assim é complicado.]


De que serve, pergunto-te então – logo a ti, que nada tens que ver com isto! –, estudarmos o que gostamos, nos interessa e pode vir a ser objectivamente útil, quando a nossa percepção da realidade é tão imensamente diferente da de quem, enterrado em preconceitos que nós próprios não compreendemos – provavelmente por deles nos havermos libertado há tanto, para já não pôr a horrível e lógica hipótese de nunca os havermos tido, de todo –, não está justamente por isso disposto a permitir-se pensar como se, só daquela vez e apenas daquela, estivesse no nosso lugar, tendo como tal os nossos gostos e mundividência? Clarificando: quão motivador te é explicares-te a outro, apercebendo-te ab initio, pela sua receptividade deformada, que esse esforço está condenado a ser em vão? De nada adianta, como saberás, falares o que cuidadamente desejas a quem não te quer, em espírito de liberdade, ouvir.

segunda-feira, 1 de março de 2010

mudança

Não há nada como conversar, em respeito, com as pessoas. Mesmo com as de que “não gostamos” (que é isso?...) – pelo andar da carruagem vejo que nunca me cansarei de repetir tal juízo. Assim é porque, pese embora tenhamos tido no Ensino Básico aquela vaga disciplina que dá pelo nome de “Formação Cívica”, acontece que não se revelou garante para criar em nós um espírito civilizado de discussão, qual valor social autenticamente prazenteiro e grato. Obviamente que limito tal juízo à “minha” geração – digo-o aqui e agora com a mesma mágoa que sinto quando o constato, de facto nitidamente indisfarçável sempre que o refiro. É justamente este todo algo complexo que serve de pretexto à historieta que a seguir apresento.

Era uma vez alguém que, não obstante ser obviamente mundano, não se reconhecia no próprio mundo. Procurando pelo seu lugar, e almejando perceber-se desde logo a si, não encontrava coisa alguma em que se pudesse rever, nem com que apenas e tão-somente se identificasse. E tão-pouco que bem compreendesse, por ventura.

Ora um dia veio, porém, em que foi tomada certa decisão. Nem era caso para menos: afinal de contas, descobrira a visada pessoa que não pensava o suficiente pela sua cabeça. Literalmente: ainda que, expectavelmente, a usasse para pensar desde tempos lhe imemoriais – nem se ponha tal em causa –, não ousava confiar em si ao ponto de pensar, de tornar por si própria inteligível o que com maior ou menor arte e ciência o é – e tudo isto, note-se, em perspectiva estrita, puramente pessoal. Isolada ou não… mas nem é isso que está em causa. Porque neste vasto e humanamente comprometido mundo que é o de todos nós quem não se interessa e esforça por conhecer a linguagem não pode sequer supor ser inteligente; é efectivamente o seu domínio que devemos procurar alcançar, para lá de um mínimo que eu até poderia considerar legitima e pragmaticamente aceitável, já que só assim se nos afigura mais possível de percepcionar o transversal mundano inteligível.

Com efeito, porque se encontrava farta, saturada, desiludida com o facto de não se integrar suficientemente nesse todo de que também fazia parte, ousou a mesma pessoa pôr enfim término aos preconceitos ideais e fantasiosos a que fora impelida pela própria sociedade a que por imposição natural também ela pertence – preconceitos esses que abominava, é certo. Destarte, pese embora tenha passado a correr o risco de tornar perceptível a terceiros esse desconforto interior, fruto e prova da lucidez de que contudo sempre dispusera no seu íntimo, decidiu-se então enveredar pelo pragmatismo apenas experienciável a título pessoal que só a reconciliação do sujeito consigo mesmo pode proporcionar a cada um. Todas a coisas, sem excepção, têm o seu porquê válido, ainda que este o seja mais ou menos averiguável; sobre justo isto apraz-me dizer-te que não deve haver vergonha em admitir que nem mesmo são excepção aquelas coisas cujo porquê ainda desconhecemos, e/ou nunca viremos a conhecer. Mas o facto é que esse porquê existe e, bem vistas as coisas e à semelhança de tudo quanto não seja desprovido de razão de ser, é um porquê que tem e que faz todo o sentido típico de todas as coisas que fazem igualmente sentido.

Porque muito mais que um motivo achou justificá-lo, a pessoa em questão quis, pois, mudar-se. E o facto é que conseguiu fazê-lo, provando antes de mais a si mesma que é sempre possível mudar – e para melhor, idealmente. Assim queiramos!

Mas que se achava em necessidade de mudar, afinal? Tão-somente a sua forma de estar no mundo, isto é – e concretizando –, de se servir da linguagem, essa ferramenta auxiliar comungada de que todos dispomos, para comunicar com os que a rodeiam, parte de um todo maior e de certo nada facilmente delimitável que a rodeia e envolve. Que importa, pergunto-te, o faz o que eu digo, não o que eu faço? É sempre tempo – é sempre o tempo! – de fazeres o que eu digo: e, mais que fazê-lo porque vês que é o que faço eu também, será certo, claro está, que me importa explicar-te porque o faço. Porquê? Para que por ti, em consciência, decidas livremente se me hás-de acompanhar. Destruamos os preconceitos negativamente estacionários e rumemos à empresa da erradicação do próprio conceito “hipocrisia”!

Uma das piores coisas que pode acontecer a cada um de nós é sermos incapazes de ter o auto-discernimento suficiente para averiguar da necessidade ou não de mudarmos. A religião, exemplo que entendo paradigmático relativamente a parte do que me propus aqui transmitir-te, não me parece coisa inteligível. Não desrespeitando de todo, obviamente, quem acredita – nem me cabe, como a ninguém, julgar os actos dos outros à luz dos meus… –, desde logo por isto mesmo, e contudo também em linha de continuidade quanto ao que venho dizendo (e não apenas neste texto, como aliás creio surgir-te evidente por esta altura), não posso considerar inteligente quem (se) entenda religioso. Afinal, que abuso dessa humana capacidade de tornar inteligível é esse que, pegando na fé – crença obstinada, desprovida de racionalidade em detrimento da emotividade dubiamente segura e segurada – e substituindo-a em absoluto a tudo o mais, ora em importância ora em validade (e, como tal, em verdade), desta feita procurando provar em consciência, no fundo, que entende ser passível de tornar inteligível o todo e seu transcendente ou além de dado modo que efectivamente não é possível, justificável, razoável?? E porque o teria de ser, pergunto aliás. E pergunto-o a ti, porque é a ti somente cuja resposta a esta pergunta importa, interessa descobrir; diferentemente do que comigo sucede, já que me preocupo tendencial, e tendenciosamente – é verdade, e portanto há que admiti-lo – com as coisas com que me devo preocupar. Falo, claro está, daquelas coisas que realmente o são, com as quais há de facto com que uma pessoa se preocupar. Para encerrar a questão digo que, a julgar pelo que dizem tantos acerca de todo o ser humano ser religioso, me vejo a este respeito(des)necessariamente “não-alinhado” com os meus semelhantes biológicos. Nem tão pouco ousaria mentir, dizendo por exemplo que alguma vez senti em mim esse apelo religioso – essa curiosidade pelo espiritual e fascínio pela demanda do meu deus. Talvez porque o meu deus é, numa ideia, o não o ser, o não se pôr a questão de todo: no fundo, a não problematização da realidade que objectivamente não me importa nem me apela conhecer.

Trouxe-te hoje uma reflexão acerca de alguém que, mal ou bem, vais já conhecendo um pouco melhor – eu próprio. E tu, estás também disposto a tornar-te melhor? Ou, antes, nem pões sequer a questão de (ter de) mudar?...