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sábado, 26 de junho de 2010

literacia

Em claro tom de desabafo, o primeiro-ministro, José Sócrates, disse recentemente sentir-se muitas vezes só a puxar [pelas energias d]o país. Eu poderia aproveitar esta frase como ponto de partida para alguma reflexão política, mas não irei fazê-lo. Prefiro falar-te da emoção pessoal que tal dizer provocou em mim.

Supondo-o sincero nessas suas palavras, obrigo-me rever no primeiro-ministro. Pois tal como ele, também eu me sinto só na minha atitude positivista, animadora, incentivadora, etc.. E é em muito graças a isso que me espanta o facto consumado que é dizer tanto aos outros e receber tão pouco em troca.

Com efeito, por vezes sinto-me diferente pela minha atitude, que entendo como misto de curiosidade pessoal e ímpeto social. Estaremos no domínio da sensibilidade?

Ultimamente tenho lido bastante. Talvez já goste mais de ler. Seja como for, uma coisa é certa: agrada-me na literatura a sua constância e transparência. Para mim, quanto mais clara a forma de que se reveste a mensagem a passar pela obra literária, melhor a literatura. Porquanto mais útil e agradável a própria leitura. De facto, infelizmente nem todos têm capacidade de escrever bem. O que significa, forçosamente, que nem todos conseguem exprimir-se com sucesso pela escrita. Vivemos num mundo de pontuação selvagem, e em que a própria sinonímia chega a ser sinal de confusão e ignorância. "Bom-dia" não é o mesmo que "bom dia": temos, por consequência, quatro tipos de pessoas: as que não o sabem; as que não o sabem mas até gostariam; as que o sabem mas não o porquê de tal; as que sabem e compreendem o porquê, o sentido de assim ser.

Acaso, seria eu razoável se considerasse que os livros me oferecem mais que as pessoas? Ainda que preferisse a hipótese de não aceitar a realidade – o que me seria impossível , não posso pois entender tal como justo; nem tão-pouco creio legítima a comparação. Não obstante, talvez a maior e mais saliente diferença seja esta: os livros são abertos por quem queira, ao passo que as pessoas abrem-se se e a quem queiram. Mas há que aceitar a coisa com a resignação que se impõe – da mesma forma que nem todos os livros nos interessam, não valemos, cada um, o interesse de todos. Repare-se que, aqui mesmo, com alguma inocência e bondade poderia ter feito pergunta pertinente, em vez de pertinaz observação.

Se os livros fossem pessoas talvez não falassem tanto. Se as pessoas fossem livros, talvez fossem mais coerentes e compreensíveis. E, contudo, nem todos poderíamos ser livros ou pessoas – ou a própria vida não seria uma experimentação concreta.