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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

abnegação

3 de Setembro de 2010. Hoje foi o dia D do Processo Casa Pia. Fez, cumulativamente, nove anos que o mesmo começou. Atendendo ao historial que segundo vários membros da dita instituição, ex-membros e outros se desenvolve pelo menos até aos anos 1970, em boa verdade se impõe reconhecer que há décadas se vinha verificando a necessidade de abrir tal, tamanho processo.


Acompanhei este fenómeno jurídico-mediático durante todo o dia, ora pelos canais generalistas, ora pelos canais noticiosos. Antes de prosseguir, uma ressalva somente: não sou nada qualificado para comentar o caso na sua magnitude e especificidade, porquanto não me envolve, nunca li nenhuma das milhares de páginas do processo nem sou algum entendido em questões jurídicas. Assim, como mero espectador aliás parte indelével desse todo não apurável que é a Opinião Pública fica-me a forte sensação que houve criminosos por julgar; mais: que não houve nem se fez devida justiça para com os agora culpabilizados de jure. Não obstante, interessa-me acrescidamente atentar neste desfecho primeiro do processo em questão (literalmente!) pelo que representa para a nossa sociedade mas, mais que isso, pelo que representa para a Justiça oficiosa deste Portugal.


Digo, sem hesitação mínima nem meditação profunda, que o maior problema do meu país é a Justiça. Assim é porque todo o aparelho jurídico-penal não funciona sempre: é demasiado imperfeito, já que incoerente, moroso; e, como se isso não fosse bastante, é incerto, discriminatório até, já que tão corruptor quanto corruptível. Ora a explicação para tudo isto é, a meu ver, a seguinte: genericamente, entendamos por "Justiça" dada face sólida do Poder, socialmente reconhecida, e que assenta em dois pilares capitais, interdependentes: o controlo lógico e necessário do Terror, feito através dos mecanismos socialmente instituídos, institucionalizados portanto, que têm por missão combatê-lo, seja acautelando-o seja respondendo-lhe conforme a exigência de cada caso; o sentido de justiça na medida do possível partilhado por todos os cidadãos, convencionado pois que deve ser claramente unidireccional e, como tal, capaz de motivar toda uma consciência crítica por parte de todos que se vá traduzir numa alteração de mentalidade, essa consequente e culminantemente corporizável numa mudança de atitude na praxis.


Com efeito, algo há que obstrói o circuito deste segundo e complexo pilar; o que vai afectar, sequente e consequentemente, a conjugação e conjunção de ambos – pelo menos em Portugal, sim. Simplificando: a Justiça é altamente susceptível de falhar por uma questão de inadaptação da mentalidade portuguesa à forma de lidar com as injustiças que podem acontecer no Presente. O que tem como efeito prático, de entre outros que entretanto tenhas aferído do que venho dizendo, a não revisão das leis no sentido de readaptar as instituições responsáveis – ou, ao menos, a revisão da legislação conforme necessariamente imperioso, isto é, ao que a cada momento é tão mais acertado quanto se carece.


Há que dizer, pois, que nesta era do digital, do micro e do nano – e que porventura alguns perspectivarão até como a era simplex – não poderíamos deixar de estranhar, desconfortadamente, o que nos surge como evidente: algo ironicamente, um apego demasiado bacoco às leis mais penosas… e quantas delas ínvias! Afinal, o problema maior reside não tanto em serem antigas, mas em nunca terem sido real, constatavelmente bem feitas. Fugazmente, tomemos o exemplo da hipótese jurídica que dá pelo nome de prescrição. Que sentido faz a prescrição de um crime de pedofilia? Que sentido faz, de todo em todo, uma qualquer prescrição negativa ou extintiva? Não se ache, pois, que justiciar (conhecer-se a justa aplicação da Justiça, significo) é sempre uma questão de tempo.


Cheguemos enfim ao ponto de cruzamento das ideias expostas neste texto: este primeiro desfecho do Processo Casa Pia importa-me – e creio que deve importar também a ti, de resto – porque, expondo algumas das fragilidades da Justiça Portuguesa e dificuldades da sua aplicação, assim como vários e severos seus podres, não deixou todavia de ser um raro exemplo da sua ainda possível exequibilidade. A justiça possível, diria. E isto, note-se, à partida independentemente até de satisfazer a orientação da nossa Opinião Pública, essa a todo o momento mais ou menos determinável. Até porque se outro o caso fosse, muito haveria a lamentar, e que condenar. Como tão lucidamente veio entrementes considerar certo advogado envolvido neste processo, olhemo-lo como pedagógico. E, digo eu agora, tendo-o em mente, queiramos não permitir que de Futuro a Justiça volte a demorar nove ou mais anos a efectivar-se.



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